STJ fixa novas teses na interpretação contratual do compromisso de venda e compra de unidade autônoma em regime de incorporação imobiliária

Inúmeras ações individuais e coletivas ajuizadas em todo o país discutem a validade da cláusula contratual que transfere ao adquirente de unidade autônoma (promitente comprador) a obrigação de realizar o pagamento da comissão de corretagem.

Em geral, os consumidores objetivam o reconhecimento judicial de que a aludida transferência é abusiva, pleiteando, como consequência, a devolução em dobro dos valores pagos aos corretores de imóveis.

Também questionam judicialmente a cobrança da taxa de assessoria técnico imobiliária (SATI), isto é, a cobrança dos custos do serviço de esclarecimentos técnicos e jurídicos acerca das cláusulas contratuais do compromisso de venda e compra e das condições do negócio.

Outra questão controvertida se refere ao prazo prescricional que deve ser aplicado sobre a pretensão do consumidor de restituir os valores pagos a título de comissão de corretagem ou do serviço de assistência técnico imobiliária (SATI), ou atividade similar.

Essas controvérsias de ordem infraconstitucional ingressaram no STJ por meio da sistemática dos recursos repetitivos, com a afetação dos recursos representativos (REsp 1.599.511/SP, REsp 1.551.956/SP, REsp 1.559.510/SP, REsp 1.599.618/SC e REsp 1.602.800/DF), além da atribuição de número sequencial de tema, que no caso correspondeu ao tema 938.

Em 24 de agosto de 2016, o STJ julgou o tema 938 reconhecendo a (i) validade da cláusula contratual que transfere ao promitente comprador a obrigação de pagar a comissão de corretagem, desde que previamente informado o preço total da aquisição da unidade autônoma, com o destaque do valor da comissão de corretagem; (ii) abusividade da cobrança pelo promitente vendedor do serviço de assessoria técnico-imobiliária (SATI), ou atividade congênere, vinculado à celebração de promessa de compra e venda de imóvel; e (iii) incidência da prescrição trienal sobre a pretensão de restituição dos valores pagos a título de comissão de corretagem ou de serviço de assistência técnico-imobiliária (SATI), ou atividade congênere (artigo 206, § 3o, IV, do Código Civil).

A tese fixada pelo STJ acerca da validade de transferir ao adquirente de unidade autônoma a obrigação de pagamento da comissão de corretagem decorre de análise das disposições previstas no Código Civil que disciplinam o contrato de corretagem, além da legislação consumerista que remete ao dever de informação imposto àquele que fornece o produto e/ou o serviço.

Nada mais é o contrato de corretagem que o negócio jurídico por meio do qual o corretor se obriga com quem lhe contrata a aproximar possíveis interessados em negociar.

O corretor de imóveis media, exerce a intermediação entre as partes nas operações de compra, venda, permuta e locação de imóveis, podendo, ainda, opinar quanto a comercialização imobiliária, nos moldes do artigo 3o da Lei Federal no 6.530/1978 que regulamenta a profissão.

A remuneração ao corretor é devida tanto quando o resultado previsto é alcançado e mesmo quando este não se concretiza em decorrência de arrependimento das partes.

Muito embora quem deva arcar, em regra, com a remuneração do corretor é a pessoa com quem ele se vinculou, ou seja, o vendedor (incorporadora), no âmbito do direito privado pode ocorrer a transferência dessa obrigação, mediante cláusula contratual expressa nesse sentido.

O argumento utilizado pelo STJ consiste na constatação de que o repasse ao consumidor dos custos do empreendimento imobiliário decorre da lógica da economia. Inexiste, nesse sentido, prejuízo aos consumidores, considerando que se assim não fosse, o custo seria embutido no preço total de aquisição.

Exige-se, contudo, transparência ao transferir para o consumidor essa obrigação de pagar a comissão de corretagem. As incorporadoras, como fornecedoras das unidades autônomas que compõem o empreendimento imobiliário, tem o dever de prestar informação adequada.

O dever de informação está exteriorizado nos artigos 31, 46 e 52 do Código de Defesa do Consumidor a partir dos quais é possível depreender que as informações prestadas devem ser corretas, claras, precisas, abarcando entre outros aspectos o preço; além oportunizar aos consumidores que tenham conhecimento prévio do conteúdo das cláusulas contratuais reguladoras da relação de consumo.

Assim, a incorporadora deve, obrigatoriamente, informar ao adquirente o preço total de aquisição da unidade autônoma, especificando o valor da comissão de corretagem, ainda que venha a ser paga de forma destacada.

A informação deve ser repassada até o momento da celebração do compromisso de venda e compra, configurando-se flagrante violação ao dever de informar caso a indicação acerca do custo adicional da comissão de corretagem ocorra após a celebração do contrato e o pagamento do sinal.

Já com relação ao serviço de assistência técnico imobiliária (SATI), o STJ reconheceu a abusividade da sua transferência ao consumidor. E isto porque, os serviços de esclarecimentos técnicos e jurídicos em relação às cláusulas e condições contratuais constituem a prestação de um serviço inerente à celebração do próprio contrato, inclusive no que diz respeito ao dever de informação.

Diferentemente da corretagem, o serviço de assistência técnico imobiliária (SATI) não consiste em um serviço autônomo oferecido ao adquirente. Ao cobrar do consumidor, a incorporadora estabeleceu obrigação considerada incompatível com a boa-fé e a equidade, implicando na nulidade da cláusula, nos moldes do artigo 51, inciso IV, do Código de Defesa do Consumidor.

Ainda foi asseverado pelo STJ o caráter personalíssimo do serviço de assistência técnico imobiliária (SATI), diante da constatação de que caso o consumidor necessite de assistência técnica ou jurídica, preferirá contratar profissional habilitado da sua confiança em detrimento daquele vinculado à incorporadora.

É importante ressalvar, contudo, que o reconhecimento da abusividade em relação ao serviço de assistência técnico imobiliária (SATI) não implica no afastamento de eventuais serviços específicos que tenham sido prestados ao consumidor, como por exemplo, serviços de despachante ou custas e emolumentos decorrentes de serviços cartorários.

O julgamento do tema 938 pelo STJ também fixou a tese de que é aplicável o prazo prescricional de três anos para pleitear a devolução de valores pagos a título de comissão de corretagem ou de serviço de assistência técnico-imobiliária (SATI), ou atividade semelhante.

Prevaleceu, assim, o entendimento de que deve se aplicar a regra especial do artigo 206, § 3o, inciso IV, do Código Civil, referente a pretensão de ressarcimento do enriquecimento sem causa.

Além do prazo prescricional para a pretensão de requerer a restituição de valores envolvendo a comissão de corretagem, deverá ser observada a tese fixada pelo STJ quanto a validade da cláusula contratual que transfere essa obrigação para o consumidor.

Desta forma, apenas caberá a devolução da comissão de corretagem, caso o adquirente não tenha sido devidamente informado acerca do valor efetivo do imóvel e do preço final com o acréscimo da comissão de corretagem, isto é, caso a incorporadora não tenha cumprido o seu dever de informação. Essa condicionante não se aplica ao serviço de assistência técnico imobiliária (SATI), considerando a abusividade da cláusula que repassa ao adquirente esse custo que é inerente ao compromisso de venda e compra de unidade autônoma em incorporação imobiliária.

Até o julgamento do tema 938 foi determinada a suspensão em todo país, inclusive em primeiro grau, de todas as ações em trâmite nas quais se discutam as mesmas questões de direito que foram objeto da afetação desse tema e que ainda não tinham recebido solução definitiva.

A fixação das teses aqui evidenciadas, por meio da sistemática de julgamento dos recursos repetitivos, tem como consequência a uniformização do entendimento, atribuindo mais segurança e equilíbrio à relação estabelecida entre incorporadoras e adquirentes.